Ele foi considerado o melhor
palhaço da trupe, tinha um jeito diferente de lidar com a plateia, não
precisava de gestos mirabolantes, não precisava de tropeções.
Misturava o humor europeu, com o
sotaque nordestino, mudanças de entonação, e pequenos gestos naturais, como a
maneira de virar o rosto, ou de caminhar sobre o palco, faziam com que as pessoas
prendessem suas atenções sob ele.
Até em dramas conseguia fazer com
que as pessoas rissem antes de chorar. Quando parava e olhava para o publico,
dava-se para enxergar a sua alma, era como se entrássemos em seu corpo e
sentisse suas dores, suas magoas, como se conhecêssemos seus amores, suas
amadas.
Fora do palco era tímido e
calado, mal conversava com sua família, tinha amigos estranhos, de classes, e de
gostos diferentes, nunca se importou com essas diferenças, nunca pensou nessas
diferenças.
Ultimamente estava meio distante,
mais do que sempre tinha sido. Parecia que ele queria estar distante e que estava
gostando disto.
Educado como nobre, mesmo sendo
plebeu, assustava os nobres de sangue, com suas opiniões e colocações fortes.
Passeava todos os dias em frente
a um castelo de nobres coronéis da região litorânea. Onde montava seu teatrinho
e fazia atuações com bonecos. Formava multidões, deixava moças impressionadas com
as estórias de príncipes encantados, e de pobres apaixonados.
Também recitava, verso, poesia, musicas,
e no final sempre tinha um beijo apaixonado, que fazia os fios dos bonecos se
enrolarem como se fossem suas próprias línguas.
*****
Ela era doce, bonita e tinha uma delicadeza
simples e singela, de boa educação, vivia em seu próprio mundo, trancafiada em seu castelo.
Tinha um talento esplendido com desenhos
e literatura, sempre gostou de filmes e boa musica.
Era refinada se comparássemos
com outras donzelas, e exorbitantemente linda, se também comparássemos com as outras
donzelas, tinha cabelos longos de tonalidade escura, "pés pequenos como de uma verdadeira princesa" (algumas senhoras diziam impressionadas quando
avistavam seus pés delicados).
Tocava divinamente piano, e quando fazia mudava de endereço, atingia um lugar só dela, onde só a
precisão de suas mãos, e o som que saia do piano sabia onde ela estava.
Nunca estranhou seres mitológicos,
afinal convivia com um dragão, um feiticeiro, e um belo passarinho com cabeça de gato.
Gostava de observar as multidões e as peças do teatrinho de bonecos que sempre era armado em frente
a sua janela.
As histórias fazia com que ela sonhasse, e
imaginasse sempre que um príncipe ou até mesmo um pobre rapaz, prestasse
atenção em suas qualidades, ou apenas em sua pessoa.
Esperava ansiosamente o fim de
tarde, quando o dragão dormia. Fazia dele sua escada para descer da janela, e
ir ver o sol se por.
Um pouco distante, viu crianças
sentadas em um circulo, prestando atenção em um rapaz que possuía uma voz um
pouco familiar. Ele contava uma história para as crianças, uma história sobre
um casal.
O rapaz dizia que o mocinho era
um palhaço, que nos fins de tarde. Entregava de presente pedaços de carne e de chocolate
para um dragão, parecido com o dragão da casa do coronel feiticeiro que morava
em um castelo também parecido com o castelo do coronel feiticeiro, só que era em um
lugar muito, muito distante. Fazendo com que uma donzela descesse de uma
janela, para ver o céu mudar de cor.
*****
Foi a primeira vez que
ela sentiu um frio na barriga, não só na barriga, mas também em suas mãos. Ela
foi aproximando-se do circulo devagarzinho, sem que ele percebesse, sentou-se
logo atrás.
A visão periférica do rapaz, não
tinha conseguido captar a movimentação radiante da donzela, mas o seu olfato,
sentiu algo diferente, como se perto de onde estivesse existisse um campo de
flores perfumadas.
Virou-se devagar e
avistou a imagem mais linda que seus olhos já haviam visto. Desta vez a menos
de um metro de distância.
Conversaram e se conheceram, ambos tímidos e calados, combinaram de se encontrarem novamente, e foi assim por
varias dias, varias semanas, e vários meses.
Conversavam sobre livros, políticas, histórias, escritores, filmes, pessoas, musicas. Até que o feiticeiro descobriu. E foram proibidos de se
encontrarem, de se aproximarem, de se comunicarem e de se olharem.
Na rua em frente à
janela do castelo da donzela, ficou proibido qualquer movimentação artística,
ou aglomeração de pessoas.
Anos depois, finalmente
se encontraram, mas ela já estava prometida e feliz. Conversaram sobre
várias coisas, menos sobre eles, menos sobre o que gostavam, atualizaram seus
feitos, suas novidades. Meses depois a donzela
virou rainha de uma cidade, muito e muito distante.
E o
palhaço, assim continuou. Apenas um palhaço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário