Abril de 2006
Hoje vi um garoto brincando com uma
latinha de refrigerante, fazendo dela uma bola de futebol, levantou a latinha
de letra e conseguiu fazer embaixadinhas, parecia até que tinha um micro fio,
que ligava a latinha de refrigerante com o seus pés descalços.
Ele brincava com a latinha, como um
maestro consegue escutar os múltiplos instrumentos sabendo a sonoridade e
suavidade de todos os que os tocam em sua orquestra. Ou talvez como um grande roteirista
como De Vere, ou surreal como o Salvador (Dali).
Se ele estivesse em cima de um
palco, ou no campo de um estádio de futebol, com certeza as pessoas aplaudiriam
esse talento, se é que posso chamar essa habilidade de levantar uma latinha de
refrigerante de letra e ficar movendo de um pé para o outro, de forma com que
ela desse vários giros na sua vertical, caindo sempre com a boca da latinha
para cima, ou quando ele só tocava com os pés nas pontas laterais da latinha fazendo
com que ela girasse na horizontal e sem que ela caísse no chão. Que equilíbrio
impressionante.
Pena que durou pouco, um Senhor com
cara de ex-militar, com idade de ter servido na época da ditadura. Pegou a latinha
de refrigerante do garoto, na hora em que seria o momento mais sublime de todas as
embaixadinhas, "equilibrar a latinha de refrigerante com a cabeça".
ISSO MESMO SENHORAS E SENHORES! O MOLEQUE
JOGOU A LATINHA DOS SEUS PÉS PARA SUA CUCA, E CONSEGUIU FAZER COM QUE ELA
FICASSE COM A BOCA DA LATINHA PARA CIMA!
As pessoas foram ao delírio durante
aqueles 6 segundos de emoção. Na verdade pelo menos eu e o seu Salvador(não o
Dali) dono de uma barraquinha de guloseimas(desencarnado palavras velhas), que
estava conversando comigo enquanto eu esperava o infeliz do ônibus (666)
003.
— — Seu Salvador comentou comigo
que o menino era danado... Disse que uma vez ele viu o menino bater embaixadinha
com uma caixinha de toddynho, e o mais engraçado era que ele passava a caixinha
para o seu pé só com as pontas que preenchiam as laterais da caixinha.
— Para de graça seu Salvador!!! O
senhor está de brincadeira.
Seu salvador possui uma dos bigodes
mais pitoresco que eu já vi na vida, lembra muito a do xará dele, — aquele... Outro
lá, o Salvador das pinturas. A diferença é que ao bigode dele é branco. Ele até
tem um pente só para pentear o bigode, mas isso é um detalhe besta.
O que mais me impressionava em seu
Salvador, mais que a paciência que ele tinha de ficar naquele sol queeente, os
cinco dias da semana, com aquela barraquinha aberta, e sua blusa de botão que
nem parecia que tinha botão. Era a sua habilidade de passar troco errado, e
sempre ganhando para ao seu favor, não importava o que você comprasse, o risco de sair pagando centavos mais caros era grande.— —
O ex-militar tirou a latinha da
cabeça do menino, e continuou andando, como se não tivesse feito nada. O garoto
ficou sem ação, deu um giro de trezentos e sessenta graus com a boca aberta de
surpresa e por não acreditar naquilo que acontecia, sentou no meio fio, apoiou os cotovelos em seus joelhos pequenos, e as mãos no rosto em forma de concha, com as palmas de mão apoiando as suas bochechas,
Eu coloquei as mãos no meu rosto,
parecia até que o Deivid tinha perdido outro gol sem goleiro de novo.
Seu salvador ficou possesso, fechou
a cara e soltou aquela frase de desdém típica de brasileiro.
— FILHO DE UMA P#¨*!
Não contente com o acontecido,
aprovei a atitude de seu Salvador e gritei junto.
— FILHO DA P¨#%! FILHO DA @U*@!
FILHO DA @$T&!
Parecia até que estávamos xingando um juiz de futebol, até o garoto e as pessoas que estavam perto da parada de ônibus
gritaram junto com a gente (salientando que eram meus ex-colegas de sala). (Para atitudes revoltosas nós eramos muito unidos).
O ex-militar parou. Lançou um olhar
reprovador, para as pessoas que gritavam seu nome, de forma escandalosa.
Uma das pessoas que estavam chamando
o ex-militar pelo seu nome, estava atravessando a rua para pedir a latinha de
volta, eu intervi.
— Bolinha, Deixa o velho.
Seu Salvador murmura, — é melhor da
uma bola para o garoto.
E foi o que fizemos.
Fim.
Machine 40
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