Eram os últimos dias do
ano, mais estranho que já tinha tido. Fazia muito tempo que não visitava a
praia no meu horário favorito, e sozinho. Fazia muito tempo que não refletia
sobre minha vida, estava começando a ver que nem todas as flores da vida
cheiravam bem. Foi um ano bom e ruim, conheci pessoas novas, me despedi de
pessoas antigas, perdi amores, dores, sonhos. Até meu braço torto chato tinha
ido embora.
A crise de quase duas
décadas estava batendo antecipada no meu corpo, quase fazendo com que vomitasse
os meus órgãos. A se vomitasse meu coração.
Nunca tinha sentido tanto
remorso, dor, agonia, raiva, nojo, medos tão intensos como os últimos meses
desse ano. Um semestre no céu, o outro fui obrigado a visitar o inferno, foi
isso?!
Refletir sobre minha vida
inteira era demorado, mas aquele ano ainda não estava nem na metade e o céu já
estava mudando de cor.
Chuviscos iam e voltavam,
pessoas passavam e voltavam de suas caminhadas. E aquela duvida agoniando minha
cabeça. Eu era tão racional e politicamente correto, agora o que estou me
tornando? Porque, a vida é bem mais dura quando você não se importa com o final
dela? Porque, agora olham atravessado para mim? Porque tem pessoas que tratam o
outro mal, por conta de uma tonalidade, por torcer pelo time rival, por não ser
heterossexual, por ter uma religião diferente, ou não ter religião, por ser
pobre, ou por ser rico.
Se existem pessoas boas
em todos os grupos sociais e existem pessoas más nos mesmos grupos, porque eu
tenho que odiar todo mundo de um grupo. Por quê?!
Que hipocrisia é essa?
A
linha do horizonte é tão mágica, ela não existe, mas a junção de céu e mar
sempre me faz pensas no universo. Sempre me deixa curioso do que tem no outro
lado daquela linha.
O que tinha
antes da explosão do big bang? Eram apenas elementos químicos microscópicos, ou
era só duas partículas de matérias que se chocaram e começaram a girar, e o que era nada, vazio, branco como
uma folha de papel, virou o universo?
Será que foi
Deus mesmo que fez o nada virar tudo? Será que esse universo é só uma bola de
gude de um gigante?
Até que um
cachorro passa por mim piscando o olho, me fazendo rir, e me sentir um idiota. Depois um
casal de turistas coreanos, vestindo roupas brancas, andando de mãos dadas, um
brincando com o outro, sem parar de rir.Um homem
correndo, com o seu filho na corcunda, e sua esposa logo atrás com sua filha.
Fizeram com
que eu me esquecesse, de todo o peso que tinha na minha mente, de tanta
interrogação. Percebi que
o mundo não é dividido só por religiões, e sim pela própria cultura diferente
uma das outras, eu tive a mesma educação que minha irmã, moramos na mesma casa,
passamos por dificuldades iguais, algumas a mais, outras bem menos. E meu mundo
e o dela são diferentes.
Entendi que
independente da escolha que eu tomar, meu coração e meu eu, não mudará por
completo, talvez não mude nada.
Mas eu preciso
provar o gosto, sentir na pele o oposto.
E ele
apareceu pra mim, pela primeira vez. Da maneira
que soubesse que seria ele.
Conversamos horas, discutimos, rimos, e ele foi embora, do mesmo jeito que chegou,
apertou minha mão e se levantou, limpou a roupa suja de areia, olhou pra mim
riu, entortou a boca, e parou de limpar-se.
- Vou deixar
assim, preciso limpar não. As coisas serão mais difíceis pra você agora, mas
você vai se acostumar.
- Que coisas
serão difíceis?
- Não rezar
é uma delas, mas você nunca gostou muito, será fácil. Difícil e quero ver, é
você parar de pedir pra eu proteger os outros, parecia piada.
- É? Vai ver
é porque nunca gostei de você mesmo.
- Pois é.
(Começamos a
rir Juntos).
- Te
perturbei muito não?
- Faz parte,
às vezes você enchia o meu saco. (risos)
- Anjo não
tem saco! Nunca mais vou te ver?
(Voltamos a
rir juntos)
- É o fresco
é?! Não sei você nunca tinha me visto...
- Nunca? Tá
massa vai nessa! Você ler pensamentos?
- Só os seus,
esse é o problema, me faz ter raiva de mim.
- Por quê?!
- Você se
preocupa de mais!
- Vou tentar
me preocupar menos então
- Faça isso,
por favor não aguento mais, ver imagens de pessoas passando fome.
- Imagens?
Você ver imagens?
- Todas as
imagens que você projete eu vejo!
- Até
aquelas? (imaginando)
- Essas
também, muitas vezes. (Gargalhada)
- Fiquei por
fora.
- Eu sei,
mas ficou muito não, sua cara de pau é maior.
- Até você?
-
Principalmente eu!
- Filho da
p* (risos)
- Olhe?!
(risos)
- Você é
bom.
- Como
assim?
- Pensei que
você fosse esnobe, que não se aproximasse, que vivia sentado distante rezando,
como um
médium disse quando eu era menor.
- Distante
ficamos sempre, rezando nem tanto, esnobe não, não mesmo.
- Vai ser
difícil.
- Vai
nada, você só vai ficar mais
atrapalhado, fazer mais besteira que o normal, sua sorte ficará negativa, e não
espere milagres. Não espere MILAGRES.
- Engraçado,
agora que eu deixo de acreditar, você aparece.
- Não
importa mais, acreditar ou não pra você, pra que eu teria que me esconder?
- Pra eu ter
razão? Pra que eu fique com a consciência limpa que estou fazendo o certo?
- Quem disse
que você não tem razão? Quem disse que você esta fazendo o errado?
- Para de me
imitar!
- Eu sou
assim, antes de você existir, então quem imita o outro aqui é você!
- Eu não lhe
conhecia, e você me conhecia, então você me imita!
- Ateus, são
tão complicados.
- Ateus? Já
está me chamando de ateu?
- Quer que
eu chame você de crente?
- Não, ateu
mesmo, ateu é melhor, é mais bonito. (riso)
- Até parece
(risos)
- Ei falou,
tenho que ir!
- Já?
- Eu era pra
ter ido faz uma hora!
- E porque
não foi?
- Você me
prendeu aqui!
- Serio?
Como?
- Agora é
você que está me imitando!
- Então você
estava me imitando antes. (riso)
- Tenho que
ir mesmo.
- Eu sei,
todos vão, quando o papo tá ficando bom.
- É pra
deixar você curioso.
- Então é
isso! Porque nunca me contasse?
- Você nunca
perguntou.
- Vai logo
antes que, eu te prenda aqui de novo.
- Melhor eu
ir, mesmo!
- Mas pra
onde você vai?
- Tirar férias!
Tirar Férias.
-
Férias? Aposenta-se
logo!
- Na vida,
minha aposentadoria, é sua morte.
- Então
longas férias pra você, e espero que não se aposente nunca!
- Pode
deixar, mas depende de você.
- Eu sei, e
sei que esse nunca é impossível.
Ele se espreguiçou,
limpou as mãos cheias de areia, e começou a andar em minha direção, assanhou o
meu cabelo e foi embora.
- A gente se
ver!
E foi assim
que meu anjo tirou férias. A gente conversa de vez em quando, só quando ele
aparece, às vezes em forma de cachorro. E como ele disse, está difícil, mas eu to me acostumando.
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