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28 de set. de 2011

No dia em que meu Anjo saiu de ferias.


Eram os últimos dias do ano, mais estranho que já tinha tido. Fazia muito tempo que não visitava a praia no meu horário favorito, e sozinho. Fazia muito tempo que não refletia sobre minha vida, estava começando a ver que nem todas as flores da vida cheiravam bem. Foi um ano bom e ruim, conheci pessoas novas, me despedi de pessoas antigas, perdi amores, dores, sonhos. Até meu braço torto chato tinha ido embora.

A crise de quase duas décadas estava batendo antecipada no meu corpo, quase fazendo com que vomitasse os meus órgãos. A se vomitasse meu coração.

Nunca tinha sentido tanto remorso, dor, agonia, raiva, nojo, medos tão intensos como os últimos meses desse ano. Um semestre no céu, o outro fui obrigado a visitar o inferno, foi isso?!

Refletir sobre minha vida inteira era demorado, mas aquele ano ainda não estava nem na metade e o céu já estava mudando de cor.

Chuviscos iam e voltavam, pessoas passavam e voltavam de suas caminhadas. E aquela duvida agoniando minha cabeça. Eu era tão racional e politicamente correto, agora o que estou me tornando? Porque, a vida é bem mais dura quando você não se importa com o final dela? Porque, agora olham atravessado para mim? Porque tem pessoas que tratam o outro mal, por conta de uma tonalidade, por torcer pelo time rival, por não ser heterossexual, por ter uma religião diferente, ou não ter religião, por ser pobre, ou por ser rico.

Se existem pessoas boas em todos os grupos sociais e existem pessoas más nos mesmos grupos, porque eu tenho que odiar todo mundo de um grupo. Por quê?!

Que hipocrisia é essa? 

A linha do horizonte é tão mágica, ela não existe, mas a junção de céu e mar sempre me faz pensas no universo. Sempre me deixa curioso do que tem no outro lado daquela linha.

O que tinha antes da explosão do big bang? Eram apenas elementos químicos microscópicos, ou era só duas partículas de matérias que se chocaram e começaram  a girar, e o que era nada, vazio, branco como uma folha de papel, virou o universo?
Será que foi Deus mesmo que fez o nada virar tudo? Será que esse universo é só uma bola de gude de um gigante?

Até que um cachorro passa por mim piscando o olho, me fazendo rir, e me sentir um idiota. Depois um casal de turistas coreanos, vestindo roupas brancas, andando de mãos dadas, um brincando com o outro, sem parar de rir.Um homem correndo, com o seu filho na corcunda, e sua esposa logo atrás com sua filha.

Fizeram com que eu me esquecesse, de todo o peso que tinha na minha mente, de tanta interrogação. Percebi que o mundo não é dividido só por religiões, e sim pela própria cultura diferente uma das outras, eu tive a mesma educação que minha irmã, moramos na mesma casa, passamos por dificuldades iguais, algumas a mais, outras bem menos. E meu mundo e o dela são diferentes.

Entendi que independente da escolha que eu tomar, meu coração e meu eu, não mudará por completo, talvez não mude nada.

Mas eu preciso provar o gosto, sentir na pele o oposto.

E ele apareceu pra mim, pela primeira vez. Da maneira que soubesse que seria ele.

Conversamos horas, discutimos, rimos, e ele foi embora, do mesmo jeito que chegou, apertou minha mão e se levantou, limpou a roupa suja de areia, olhou pra mim riu, entortou a boca, e parou de limpar-se.

- Vou deixar assim, preciso limpar não. As coisas serão mais difíceis pra você agora, mas você vai se acostumar.

- Que coisas serão difíceis?

- Não rezar é uma delas, mas você nunca gostou muito, será fácil. Difícil e quero ver, é você parar de pedir pra eu proteger os outros, parecia piada.

- É? Vai ver é porque nunca gostei de você mesmo.

- Pois é.
(Começamos a rir Juntos).

- Te perturbei muito não?

- Faz parte, às vezes você enchia o meu saco. (risos)

- Anjo não tem saco! Nunca mais vou te ver?
(Voltamos a rir juntos)

- É o fresco é?! Não sei você nunca tinha me visto...

- Nunca? Tá massa vai nessa! Você ler pensamentos?

- Só os seus, esse é o problema, me faz ter raiva de mim.

- Por quê?!

- Você se preocupa de mais!

- Vou tentar me preocupar menos então

- Faça isso, por favor não aguento mais, ver imagens de pessoas passando fome.

- Imagens? Você ver imagens?

- Todas as imagens que você projete eu vejo!

- Até aquelas? (imaginando)

- Essas também, muitas vezes. (Gargalhada)

- Fiquei por fora.

- Eu sei, mas ficou muito não, sua cara de pau é maior.

- Até você?

- Principalmente eu!

- Filho da p* (risos)

- Olhe?! (risos)

- Você é bom.

- Como assim?

- Pensei que você fosse esnobe, que não se aproximasse, que vivia sentado distante rezando, como um 
médium disse quando eu era menor.

- Distante ficamos sempre, rezando nem tanto, esnobe não, não mesmo.

- Vai ser difícil.

- Vai nada,  você só vai ficar mais atrapalhado, fazer mais besteira que o normal, sua sorte ficará negativa, e não espere milagres. Não espere MILAGRES.

- Engraçado, agora que eu deixo de acreditar, você aparece.

- Não importa mais, acreditar ou não pra você, pra que eu teria que me esconder?

- Pra eu ter razão? Pra que eu fique com a consciência limpa que estou fazendo o certo?

- Quem disse que você não tem razão? Quem disse que você esta fazendo o errado?

- Para de me imitar!

- Eu sou assim, antes de você existir, então quem imita o outro aqui é você!

- Eu não lhe conhecia, e você me conhecia, então você me imita!

- Ateus, são tão complicados.

- Ateus? Já está me chamando de ateu?

- Quer que eu chame você de crente?

- Não, ateu mesmo, ateu é melhor, é mais bonito. (riso)

- Até parece (risos)

- Ei falou, tenho que ir!

- Já?

- Eu era pra ter ido faz uma hora!

- E porque não foi?

- Você me prendeu aqui!

- Serio? Como?

- Agora é você que está me imitando!

- Então você estava me imitando antes. (riso)

- Tenho que ir mesmo.

- Eu sei, todos vão, quando o papo tá ficando bom.

- É pra deixar você curioso.

- Então é isso! Porque nunca me contasse?

- Você nunca perguntou.

- Vai logo antes que, eu te prenda aqui de novo.

- Melhor eu ir, mesmo!

- Mas pra onde você vai?

- Tirar férias! Tirar Férias.
-
 Férias? Aposenta-se logo!

- Na vida, minha aposentadoria, é sua morte.

- Então longas férias pra você, e espero que não se aposente nunca!

- Pode deixar, mas depende de você.

- Eu sei, e sei que esse nunca é impossível.

Ele se espreguiçou, limpou as mãos cheias de areia, e começou a andar em minha direção, assanhou o meu cabelo e foi embora.

- A gente se ver!

E foi assim que meu anjo tirou férias. A gente conversa de vez em quando, só quando ele aparece, às vezes em forma de cachorro. E como ele disse, está difícil, mas eu to me acostumando.

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